O jornal O Globo publicou, nesta segunda-feira, 23, reportagem assinada pelo jornalista Gabriel Shinohara. Segundo ele, as empresas terão de retomar pagamento de financiamentos, com faturamento abaixo do nível pré-pandemia e perspectiva de uma segunda onda de Covid-19. Transcrevemos aqui a reportagem.
BRASÍLIA – A pandemia trouxe um impacto inesperado para o índice de inadimplência das micro, pequenas e médias empresas. Ele chegou ao menor patamar histórico, tendo caído quase à metade entre o pico da crise, em abril, e setembro, último dado disponível no Banco Central (BC). Isso, no entanto, pode
não durar, já que há sinais cada vez mais fortes de que o país estaria prestes a enfrentar uma segunda onda de Covid-19.
A queda de 4,11% para 2,24% da inadimplência das médias, pequenas e micro empresas aconteceu principalmente por conta das renegociações dos financiamentos. De acordo com o BC, entre março e junho deste ano, as instituições financeiras repactuaram 34,2% das operações das micros e 35,4% das pequenas empresas.
Já sabendo que os pequenos têm menos ferramentas para resistir a um impacto grande na economia, como o causado pela pandemia, e com estímulos do BC, os bancos ficaram um pouco mais abertos às possibilidades de repactuação do crédito, dando carência ou estendendo os prazos de pagamento.
No período da crise, muitos empresários obtiveram a suspensão do pagamento dos empréstimos contraídos, o que, consequentemente, derrubou a inadimplência.
Segunda onda preocupa – No entanto, há um alerta para o início de 2021. Muitas dessas renegociações preveem que os pagamentos sejam retomados em janeiro ou fevereiro, prazo em que grande parte das empresas ainda não voltou ao faturamento que tinha antes da crise.
Na avaliação do presidente da Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e dos Empreendedores Individuais Conampe), Ercílio Santinoni, o aumento da inadimplência é inevitável:
— Nossa preocupação é com aqueles que já estavam em dificuldade e que pegaram o dinheiro para pagar salário e contas atrasadas. Eles continuam com capital de giro muito pequeno. Quando chegar o início do ano terão que aumentar o faturamento, ou não vão conseguir pagar as parcelas. É natural que tenhamos um aumento da inadimplência.
Pesa ainda o fim da vigência, em dezembro, da medida provisória (MP) 936, de redução e suspensão de jornada e salários. Representará um aumento de custos para os empresários, tornando mais necessária ainda uma nova negociação dos empréstimos.
Proprietário da ótica Finajoy, no Leme, Zona Sul do Rio, Thiago Quirino diz que a situação não está tranquila, mas tem conseguido manter um nível de vendas razoável. Para isso, ele reduziu as margens de lucro, já que alguns produtos, como
as lentes, são importados e ficaram mais caros com a valorização do dólar.
Quirino conseguiu pegar crédito no Pronampe, linha de crédito para micro e pequenas empresas, que lhe permitiu manter o negócio aberto e recebendo clientes. Ele avalia que, se a situação continuar como está, os pagamentos ficarão em dia. Sua preocupação é que uma segunda onda de Covid-19 leve as lojas a fecharem novamente.