*Marcelo Alvarenga, especialista em Direito Empresarial, alerta sobre a prática e propõe intervenção desde o contrato de trabalho
A alta conectividade exigida pelas rotinas de trabalho no “Novo Normal” deve ser acompanhada de advertências de cautela, muitas delas relativas ao contato virtual entre empregador e funcionário. Apesar de ser um importante facilitador do diálogo dentro de uma organização, o uso de e-mails e aplicativos de mensagens fora do horário de trabalho de um colaborador pode ser fato gerador de horas extras e, em alguns casos, até mesmo ser motivo de processos trabalhistas. Inexiste, contudo, legislação brasileira específica para interações laborais à distância. As formas de relacionamento entre a empresa e o empregado no mundo virtual ainda são matéria nova, mas devem ser objeto de regramento futuramente.
Conforme explica o advogado Marcelo Cordeiro Alvarenga, consultor jurídico do Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Espírito Santo (Sincades) e da Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e Empreendedores Individuais (Conampe), após a reforma trabalhista promulgada em 2017, compreende-se como serviço efetivamente prestado o período no qual o colaborador esteja à disposição do contratante, seja executando ou aguardando ordens. Ainda assim, um simples contato não configuraria um trabalho fora do expediente. A definição neste caso dependeria do conteúdo da mensagem, que deve ser estritamente ligado a demandas usuais do emprego para que seja viabilizado o pedido de horas extras.
A prática de horas extras, conforme definido pela Lei Federal nº 13.467, é restrita a duas horas diárias ou quantitativo estipulado em acordo individual/convenção coletiva. Salvo casos de excepcional urgência, Alvarenga destaca que o recomendado é debater assuntos relacionados à companhia apenas durante a jornada estipulada em contrato. “A tratativa de assuntos do trabalho fora do expediente compromete o descanso e o lazer do empregado, devendo ser evitada tal prática. É fundamental que a empresa não demande do seu empregado quando o mesmo estiver fora do horário de expediente”, reforça o especialista em Direito Empresarial.
Excessos na comunicação e consequências trabalhistas
Toda a comunicação, inclusive a que migrou do ambiente físico para o meio virtual, que ultrapasse o período referente à jornada de trabalho daquele colaborador gera precedente à incidência de horas extras e, caso excessos por parte do empregador sejam identificados, há possibilidade de processo por prejuízos morais. Nas palavras de Alvarenga: “O assédio frequente ao empregado com demandas fora do horário de expediente já é considerado por muitos juristas como uma forma de assédio moral e poderá ensejar um pedido de reparação”.
No caso de grupos de mensagens, outro elemento também deve ser ponderado: mesmo que a tarefa seja indicada para apenas um, a presença de outros integrantes no grupo torna todo o diálogo ali estabelecido uma exposição deste indivíduo, podendo gerar ofensas de ordem moral. No mesmo sentido seguem os excessos na comunicação entre diferentes níveis hierárquicos. Entre as práticas mais comuns, o entrevistado salienta que o rigor excessivo, a exposição de funcionários e o vazamento de informações pessoais são situações de extremo risco que devem ser evitadas para impedir a evolução em processos trabalhistas.
Além da incidência de fatores extraordinários, o advogado retoma que o funcionário não está sujeito a atender demandas feitas fora de seu período de trabalho, uma vez que o contrato obriga ao empregado disponibilizar sua força de trabalho durante a jornada estabelecida. “Ainda que seja em home office, será possível pactuar com o empregado uma rotina de horário a ser cumprida. Uma vez fixada uma jornada de trabalho, a empresa deve limitar-se a demandar do empregado neste período, sob pena de configurar o labor em horas extraordinárias”, alerta Alvarenga.
Afinal, como proteger minha empresa contra excessos na comunicação?
Apesar da possibilidade de formalização em processo judicial trabalhista, a regra processual coloca como obrigatória a tentativa de conciliação antes de iniciar a fase de instrução probatória do processo, ou seja, a conciliação mediante acordo entre as partes será priorizada. Vale ressaltar que tornar claras e objetivas as regras estabelecidas na empresa em documento formal evita tais situações. “Uma boa prática é utilizar um contrato de trabalho bem detalhado, incluindo estas regras de relacionamento, ou pactuar na forma de um aditivo contratual ou até mesmo um acordo (coletivo ou individual) de trabalho, para aqueles empregados já admitidos anteriormente”, recomenda o especialista.
* O advogado Marcelo Alvarenga é consultor jurídico da Conampe.